A Minha Primeira São Silvestre - parte 2

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Primeiros metros de corrida túnel em direção a Av. Dr Arnaldo
Continuando o texto sobre a "saga" Minha Primeira São Silvestre (link do primeiro texto)... 

...Sigo em ritmo lento nos primeiros metros, em meio a multidão, a trilha sonora da largada, "Carruagens de Fogo", o narrador empolgado saudando corredores de todos os tipos e regiões do país. Gruas e câmeras de TV vão construindo toda a atmosfera e importância do evento, que é muito mais do que uma corrida de rua. Ao menos pra mim a sensação é de estar se juntando não somente aos 27 mil escritos dessa edição, mas a todos os milhares de corredores que participaram das 88 edições passadas. É sobre-tudo estar junto daqueles de antes apenas assistia pela televisão...

Após os primeiros metros avistando o túnel ao final da Av. Paulista, já me preparo para a sequência de descida que teremos, primeiramente indo a avenida Dr. Arnaldo e depois na descida que contorna o estádio do Pacaembu.  Antes de entrar no túnel somos saudados pelas dezenas de pessoas que nos assistem lá de cima.

Fico tenso enquanto vejo aquele rio de gente, alguns corredores param pra tirar foto inclusive, é impressionante mesmo, permaneço tenso enquanto vou ouvindo os avisos de corredores mais experientes:
- Olha o joeeeelho!!!
- Cuidado com o joelho...
A gigante descida que convida a soltar o corpo pode ser bem traiçoeira, pois o impacto é bem maior do que no plano ou mesmo nas subidas. Sem contar que qualquer esforço a mais nesse início de prova pode custar bem caro depois. Mas a imagem é mesmo linda, estar imerso num rio de gente correndo.

Contornando o estádio do Pacaembu quase não temos "plateia" nesse trecho, há uma "noiva" correndo atrás de seu homem, um garçom e uma turminha da terceira idade caracterizada como a "Turma do Chaves". E mais uma descida do alto do estádio já caindo na Av. Pacaembu. É preciso ter uma passada bem ajustada, firme e constante. De volta ao plano na Av. Pacaembu já ultrapassado os primeiro quilômetros, sigo me poupando bastante, as vezes penso que até demais! Nessa altura a multidão de corredores já está mais dispersa e esse trecho largo permite correr mais e melhor. Ultrapasso um incrível "Homem de Ferro" uma fantasia que parece ser feita de EVA, mas possuí todo um mecanismo e articulações de ferro ou alumínio.


Saindo da Av. Pacaembu vem mais subida e o primeiro posto de hidratação estamos próximo do 5º KM. Muito legal e prático o fato de darem água em garrafinhas plásticas, facilita o movimento e a ingestão do líquido. Porém nem tão legal assim a muvuca que se forma ao redor das barracas de água, e detalhe, água quente e já escassa. O chão completamente molhado e as tampinhas jogadas são um enorme convite para um belo escorregão e quem sabe alguma lesão mais grave. Falando em lesão, enquanto corro imaginando como será o comportamento do meu corpo e mente após o quilômetro 12 (que pra mim passa a ser ambiente desconhecido), vejo um homem de meia idade sendo socorrido na calçada, parecendo ter algum ataque epilético ou coisa do tipo. A minha mistura de disciplina e medo (admito), apenas aumenta, na verdade é o respeito que a prova merece, afinal não se corre 15 km do dia pra noite.

Passamos pelo Memorial da America Latina, Av. Marquês de São Vicente, tudo plano novamente, 7º KM... 8º KM e aí o bicho pega mesmo pela primeira vez. Afinal, estou indo para o 9º KM e sabendo que existem mais 6 quilômetros, inclusive a temida Brigadeiro, já se passaram 50 minutos de corrida e a subida do Viaduto Eng. Orlando Murgel, bastante íngreme, deixa as pernas pesadas, os passos leeeeentos e curtos e o controle da respiração se torna ainda mais difícil e necessário.

Ufa! Continuo tentando buscar o ar que não vem, encontrar a velocidade ideal entre o permanecer correndo e quem sabe por um descuido o esgotamento total. Passamos pela Av. Rio Branco; Av. Duque de Caxias, Av. São João, Largo do Arouche; Av. Vieira de Carvalho, Praça da Republica, Av. Ipiranga, Largo do Payssandu e Rua Conselheiro Crispiniano. A essa altura próximo do quilômetro 10, percebo por quantos lugares diferentes da cidade passamos, cartões postais e lugares totalmente esquecidos como na porta de um abrigo onde vários moradores de ruas, bêbados e drogados saúdam os corredores. E eu estou cansado... 

Nesse dia em especial o céu nublado foi de grande valia pois já passa das 10 horas da manha e o calor é intenso, mesmo sem o sol se mostrar por completo.  E eu estou bastante cansado, pensando que terei que caminhar por algum momento, quando de repente vem a surpresa: Num dos últimos posto de hidratação estão distribuindo bebida esportiva. A água e mesmo um gel que trazia no bolso do shorts não tinham feito nenhum milagre até ali. Confesso que ali foi o gás que necessitava, a ultima recarga das energias... O chão fica completamente grudento, é a única hora que caminho cerca de 100 metros enquanto bebo o isotônico. Percebo que até ali o MP3 estava desligado, e com novo animo e trilha sonora parto pra cima dos 5 KM finais...

Vem o Teatro Municipal, viaduto do Chá, a essa altura muitas pessoas aplaudindo, incentivando, esticando a mão para um comprimento. Vem o Largo São Francisco e depois já enxergo o começo da Av. Brigadeiro Luís Antonio... Vale lembrar que o trecho mais famoso e temido da corrida  inicia bem no 12º KM que me é temido, também por ser um limite do desconhecido, pois em minha preparação de semanas não tive tempo pra percorrer mais do que essa distância...

Um quarteirão antes da Brigadeiro decido ligar para a Kelli minha noiva que me aguarda na linha de chegada, coisas da modernidade de um corredor amador, já que carrego o celular para usar o aplicativo de corrida... Afinal de contas fazem já 1 hora e 20 minutos de espera, tantas e tantas pessoas já devem ter passado pela linha de chegada, imagino se não estão preocupados ou exausto de tanto esperar...
-Oi!!! Estou subindo a Brigadeiro vai se preparando ai!!
- Ainda? ouço do outro lado. - Pensei que estivesse já aqui perto.
- Mas estou. Quilômetro 12, até daqui a pouco! 
De certa forma esse é outro gás que recebo pra continuar, aquela voz tão intima do outro lado faz mesmo eu me lembrar que entre quase 30 mil pessoas eu sou e tenho lá em cima pessoas especiais que me esperam. Meu pai e minha noiva...

Aqui em baixo volta a ser EU X EU (e uns 3 km de subida no meio para apimentar essa disputa). Agora é na garra, a "técnica" que eu tinha foi para conseguir chegar bem até esse momento, daqui pra frente é raça. Os primeiros passos na Brigadeiro não assustam, é uma subida pouco íngreme, quase uma falsa reta, mas vai aos poucos aumentando... Tento focar o topo, a Av. Paulista, é quando percebo o tamanho do "bicho" que parece não ter fim. 

O incentivo das pessoas na calçada é ainda maior, todos sabem que é ali que a coisa pega, muitas pessoas andando a essa altura da prova, acerto o passo, baixo a cabeça e de metro em metro sigo firme rumo a linha de chegada. Vem o meio da Brigadeiro, avisto um ultimo posto de água, mas está totalmente vazio, é quando sinto que o estômago começa a doer, vazio, com se o corpo não tivesse mais de onde buscar "combustível". - Ah não! Será? Penso desconfiado, enquanto já consigo visualizar a Av. Paulista. 

Últimos quilômetros da Av. Brigadeiro Luís Antônio
Parece até roteiro cinematográfico, mas o suspense termina por aqui, a rua vai se tornando mais plana, cada vez mais pessoas nas calçadas, e todo aquele frenesi da largada, quase duas horas depois e o clima festivo ainda é o mesmo, se não maior. Porque estamos cada um ali concluindo o seu objetivo. 
- Graças a Deus! - Obrigado Senhor! Digo em oração.
Então o sorriso já escapa no rosto e a face cansada se transforma em pura satisfação... Sou um São Silvestrino, penso. Me despeso assim de 2013 com mais uma conquista. Um ano maravilhoso, grandiosamente abençoado! Obrigado!

À Kelli Matos e José Luis Fiorante


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